Embora dormir seja uma prática primordialmente noturna, todos nós cochilamos eventualmente durante o dia. Em alguns lugares o cochilo costuma ser algo cultural, como nos países mediterrâneos (ex.: Itália, Grécia e Espanha), onde a sesta ou siesta é um hábito comum, ou em países orientais (como a China) onde o cochilo é comum como resultado da alta carga de trabalho.
Apesar de ser algo corriqueiro, existe muita discussão sobre os efeitos dos cochilos sobre a nossa saúde. E a verdade é que não há uma resposta simples para isso. Em alguns casos, dormir durante o dia pode ser muito bom, mas em outros pode ser um grande problema! Neste blog discutiremos os cochilos em três condições:
1. Quando são benéficos
2. Quando são essenciais
3.Quando devem ser evitados
1. Quando os cochilos podem ser benéficos?
Cochilos todos os dias
Uma das chaves para o sono de qualidade é a regularidade. É realmente muito importante que nós durmamos e acordemos sempre no mesmo horário, pois assim nosso cérebro vai se condicionando e aprendendo a manter uma rotina de sono. Essa rotina é essencial para evitarmos ou combatermos os sintomas da insônia. É importante que essa regularidade seja mantida até nos finais de semana, evitando criar uma diferença muito grande entre o sono do sábado e domingo com aquele dos dias úteis.
A mesma ideia de regularidade se aplica às sonecas. Não há problema nenhum em cochilar, desde que isso seja feito todos os dias, como um hábito (ou ao menos na maioria dos dias). Nesse caso, é difícil pensar em prejuízos causados pelo cochilo, pois ele entra na “equação” do nosso ciclo circadiano. Ou seja, nosso cérebro pode prever e leva em consideração o período de sono durante o dia para planejar o sono diurno.
Esse é exatamente o que ocorre na sesta, que em muitos países é um hábito muito comum. Nesse caso, é socialmente aceito que as pessoas tirem um pequeno cochilo após o almoço. Em algumas localidades os comércios até fecham para que as pessoas possam descansar.
Cochilo durante a infância
Nas primeiras semanas de vida, os recém-nascidos passam mais tempo dormindo do que acordados e é até difícil distinguir o sono noturno do diurno. Nesse período, é normal que um bebê durma até 19h por dia. Esse padrão de sono em que a criança dorme e acorda ao longo de todo o dia é chamado de sono polifásico (ou seja, um sono dividido ao longo de várias fases). Ele contrasta com o sono monofásico, geralmente observado nos adultos, que ocorre em apenas uma fase ao longo do dia. Essa transição entre o sono monofásico até o polifásico é lenta e gradual, durante anos até que o sono se estabeleça em um único período noturno.
Entre os seis e nove meses de idade, os bebês já estabelecem um padrão de três cochilos durante um dia, geralmente um no período da manhã e dois à tarde. Dos nove aos doze meses já é comum observar um padrão de dois cochilos durante o dia. Após os doze meses começa a se estabelecer um padrão bifásico, com o período principal de sono durante a noite e um único cochilo durante o dia. Esse padrão costuma se manter por alguns anos, até que em algum momento entre os três e os sete anos a criança começa a estabelecer seu sono monofásico, evitando os cochilos diurnos e concentrando tudo à noite.
O sono durante os primeiros meses e anos de vida é muito importante, por que está relacionado com o processo de maturação cerebral. O cérebro não está 100% pronto no momento do parto e o processo de desenvolvimento cerebral vai continuar por alguns anos após o nascimento. Como o sono é muito importante para o neurodesenvolvimento, esses cochilos durante o dia são essenciais.
Cochilo na terceira idade
Quando chegamos na terceira idade, o sono volta a se modificar bastante. Em geral, os idosos têm um período de sono noturno um pouco menor, e muitas vezes tornam seu sono novamente polifásico, distribuindo sonecas ao longo do dia. Estima-se que pelo menos 40% das pessoas acima dos 65 anos cochilem regularmente.
Assim como nas crianças, o cochilo nos idosos parece ser algo natural, que faz parte do processo de envelhecimento. Porém, deve-se entender que o cochilo deve ser natural e não forçado. Caso um idoso se sinta cansado, sonolento e fadigado, mesmo cochilando mais de 1h por dia, deve procurar um médico especialista em sono para uma avaliação.
2. Quando os cochilos são essenciais?
Cochilos em situações de risco
Dormir em situações que envolvem algum risco é sempre muito perigoso. O caso mais comentado e conhecido é o de dormir ao volante. Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, 42% dos acidentes de trânsito são relacionados ao sono. Dirigir costuma ser uma atividade repetitiva e monótona. Para uma pessoa que já está sonolenta, dormir dirigindo acaba sendo quase inevitável.
A mesma associação vista com os acidentes automobilísticos pode acontecer com vários outros tipos de atividades que envolvem risco. Podemos colocar na lista a operação de máquinas pesadas, a prática esportiva e a construção civil. Em todos estes casos, o trabalho com sono pode levar a acidentes muito perigosos.
Evite exercer essas funções quando estiver com sono. Quando estamos cansados, o sono e a falta de atenção podem vir subitamente. Além disso, não se engane achando que colocar a música alta, abrir as janelas do carro ou lavar o rosto vão lhe deixar mais acordado. O efeito disso é mínimo e a chance de que você fique ainda mais sonolento só aumenta. Se não for possível adiar a viagem ou o trabalhe, tente cochilar antes, para que a pressão do sono diminua um pouco. Além disso, se você se sentir sonolento durante a viagem, pare o carro em algum local seguro e durma. Sua viagem demorará mais se você precisar cochilar antes ou durante, mas certamente é um problema pequeno frente aos riscos de cochilar enquanto dirige.
Cochilo entre trabalhadores noturnos
Vivemos em uma sociedade 24/7 e o trabalho noturno é algo essencial para a nossa economia e bem-estar. Contudo, nossa fisiologia não foi feita para que ficássemos acordados à noite . Sempre que viramos uma noite em claro, estamos abrindo mão da nossa saúde. Isso é um perigo ainda maior para trabalhadores noturnos. Por mais que as pessoas tentem se habituar a trabalhar à noite, nosso corpo nunca é capaz de se adaptar completamente a trocar a noite pelo dia e certamente existem algumas consequências disso.
Umas das principais estratégias para combater as consequências do trabalho em turno são os cochilos. Neste caso, tanto cochilos antes quanto durante o turno parecem ser muito benéficos, aumentando tanto o rendimento quanto a satisfação com o trabalho. Vários estudos já demonstram que cochilos programados melhoram o desempenho cognitivo e diminuem o risco de acidentes.
Se você for um trabalhador noturno, converse com seu empregador para garantir a possibilidade de um ambiente adequado para descanso à noite. Isso é algo importante para a segurança do trabalho e que certamente se reverterá em aumento de produtividade. Além disso, procure um especialista em sono para traçar uma estratégia personalizada de atividades para se adequar melhor ao turno noturno.
Cochilos eventuais
Imagine que você passou a noite inteira fazendo um relatório para o seu emprego, que deveria ser entregue para uma reunião às 8h da manhã. Ou que você passou a noite em claro estudando para uma prova. Nesses casos, após o dever cumprido, um cochilo pode realmente ser revigorante.
Se for possível, busque um lugar tranquilo, confortável e silencioso e descanse um pouco. Hoje em dia existem algumas empresas que oferecem cabines especiais para cochilos rápidos nas grandes cidades e em aeroportos. Esse cochilo não deve ter mais de 1h (idealmente deveria ser de uns 30 minutos). Isso acontece por que, se com períodos de sono mais compridos, entra-se em um período de sono profundo (mais precisamente no estágio N3 do sono). Ao acordar alguém em sono profundo a inércia do sono é muito grande, sendo provável que a pessoa acorde desorientada e ainda mais cansada do que antes.
Esses pequenos cochilos revitalizadores (também chamados de power naps) são muito efetivos quando feitos ocasionalmente. Nesses casos, você certamente voltará mais revigorado para o resto do dia. Porém, não deixe que o trabalho noturno e cochilos diurnos se tornem uma rotina. Certifique-se de que isso seja feito como uma exceção para dias atípicos.
3. Quando os cochilos devem ser evitados
Há um grande caso em que os cochilos devem ser evitados tanto quanto possível: em pessoas com insônia. Parece algo um pouco insensato: pessoas com insônia têm dificuldade para dormir à noite e acabam ficando muito cansadas e sonolentas durante o dia. Então, por que as impedir de dormir durante o dia?
Para entendermos essa relação, devemos entender um conceito importante: a pressão do sono. Quanto mais tempo ficamos acordados, mais nosso cérebro precisa de sono. Quando acordamos, a necessidade de dormir é bem pequena, mas vai se acumulando ao longo do dia, à medida em que ficamos acordados, e quando chega à noite ela é suficientemente alta para que consigamos dormir. Essa necessidade cumulativa de dormir é a pressão do sono.
Pessoas sem insônia adormecem a noite por dois motivos: 1. Por que a pressão de sono é maior à noite e 2. Por que nosso cérebro entende a falta de luz como estímulo para dormir . Porém, em pessoas com insônia, há uma resistência maior à pressão do sono. Vários fatores cognitivos e comportamentais fazem com que mesmo com pressão de sono alta, a pessoa não consiga dormir. O sono no insone só vai ocorrer quando a pressão de sono for extremamente alta, suficientemente para ser mais forte que pensamentos, preocupações, medos, angústias ou quaisquer outros fatores que o impede de dormir .
É aí que entra o cochilo: ao dormir um pouco no meio da tarde, a pressão de sono que vinha se acumulando ao longo do dia se dissipa. Com isso, quando chegar a noite, no horário em que a pessoa deveria dormir, a pressão de sono ainda é muito baixa. Por efeito do cochilo durante a tarde, o início do sono durante a noite fica ainda mais atrasado. Ou seja, o cochilo durante o dia acaba por alimentar ainda mais os sintomas de insônia.
Para pessoas cuja a insônia está relacionada com a ansiedade, essa relação é ainda pior. Nesses casos, o cochilo diurno fará com que a pessoa se deite mesmo sem muita pressão de sono. Isso aumentará o tempo acordado na cama e dará mais margem para que o horário que você deveria estar dormindo seja preenchido com preocupações e pensamentos disfuncionais.
Umas das preocupações da terapia cognitivo-comportamental (o principal tratamento para insônia atualmente) é garantir o horário de deitar e o vontade de dormir. Para isso, é essencial que a pessoa com insônia esteja com a pressão de sono alta, aumentando a chance de um sono consolidado e eficiente. A SleepUp pode ajudar a melhorar o seu sono com programas terapêuticos e monitoramento com diário do sono e tecnologias vestíveis! Baixe o App abaixo.
Em resumo, os cochilos podem ser muito bons ou muito ruins, dependendo do contexto em que eles são feitos. O melhor é pensar nos extremos: eles podem ter efeitos benéficos tanto quando são feitos como rotina, mesmo que não haja necessidade; ou esporadicamente, quando há muita necessidade. Situações entre essas duas podem não ser tão boas, especialmente para pessoas predispostas à insônia.
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